À Deriva #33 – Por que você demorou tanto?
Por que você demorou tanto?
Por que não nos conhecemos antes?
Uns poucos meses bastariam!
Por que aparecer na minha vida justo depois que eu já estava casada? Justo depois que eu já tinha prometido, e diante de Deus, “amar e respeitar, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida, até que a morte nos separe” outra pessoa!
Tudo começou naquele clube de bridge. Se não fosse ele, talvez eu vivesse minha vida em paz sem nunca sofrer porque você existia. Pensando melhor, mesmo eu tendo ido ao clube naquele dia, se não fosse a Marta ter ficado com febre e eu ter ficado sem parceira justo na classificatória para o campeonato nacional, talvez você fosse hoje um qualquer para mim. Tudo culpa da Marta!
Não! O Jorge também é culpado, pois era ele quem deveria ter assumido o posto da Marta ou até mesmo ter deixado eu perder a classificatória por W.O. (e eu choraria por alguns dias com raiva da Marta, que resolveu ficar doente bem naquele dia) em vez de vir com aquele papinho de “eu não sei jogar direito, mas conheço um cara que pode salvar o seu dia”.
Não! A culpa também é sua, pois você só sabia jogar no sistema natural quarto, que eu jogo melhor, em vez do rico quinto2, que praticamente todo mundo que eu conheço joga (inclusive a Marta). Aliás, mesmo com o bom e velho natural quarto, se a gente tivesse perdido aquela última rodada, não teríamos vencido a classificatória e, talvez, a nossa história teria terminado quase sem começar (e aquele abraço quase involuntário de vitoriosos, que me fez tremer toda, teria virado um simples aperto de mãos de derrotados). O mesmo teria acontecido se o regulamento daquele maldito campeonato permitisse a troca de alguém da dupla classificada, então a Marta (apesar do rico quinto dela) voltaria a ser minha parceira. Mas parece que tudo conspirou contra (ou a favor) e, dois meses depois, lá estávamos nós viajando de avião juntos, rumo ao campeonato nacional.
Aqueles poucos dias que passamos juntos bastaram para perceber que tínhamos absolutamente tudo em comum. Era impressionante como você gostava das mesmas coisas que eu e como pensávamos e víamos o mundo de maneira parecida. A gente voltou daquele campeonato sem nem chegar perto da final, com aquela medalha de participação chechelenta (que eu ainda guardo), mas voltei para casa tão leve e feliz que parecia uma adolescente boba. Meu marido até pensou que tínhamos vencido o campeonato, tamanha a minha empolgação.
Nós, naturalmente, começamos a trocar e-mails e mensagens com palavras que, cada vez mais, confirmavam o quanto a gente se parecia e, apesar dos encontros esporádicos que tivemos, todos eles (não sei se você notou) foram propositalmente acompanhados de amigos. Não tenho a menor ideia do que se passava na sua cabeça em relação a mim, afinal, você nunca insinuou nada (acho que nunca saberei se por respeito ao meu casamento ou por realmente não sentir nada), mas eu sabia o que se passava dentro de mim e não podia deixar esse sentimento crescer mais.
Fiquei com medo de voltar ao clube de bridge e parei de jogar. Entenda, eu era casada e meus sentimentos estavam confusos. Também tentei parar de te escrever, mas você continuava e, como sempre demonstrava ser apenas alguém simpático conversando coisas corriqueiras, eu não podia simplesmente te ignorar. Eu também não podia abrir o jogo e explicar os motivos de meu afastamento abrupto, então decidi que o faria aos poucos até que a amizade esfriasse de vez, como acontece com a maioria delas. Pelo menos eu teria a meu favor aquele pretexto de que “a vida nos afastou” e meu coração finalmente ganharia paz.
O plano deu certo! Meu casamento estava muito bem (na verdade ele sempre esteve), tive a Rebeca, uma menina linda, e me mudei para a capital quando, no mesmo mês, meu marido e eu recebemos o que as pessoas chamam de “proposta irrecusável”.
Mas a vida é uma vadia, não é mesmo? Depois de três meses na nova empresa viajei para um congresso a trabalho e quem estava lá? Você!
Precisou de apenas cinco segundos para o meu coração ignorar os quase cinco anos de afastamento. O sentimento que julgava estar enterrado a sete palmos ganhou um fôlego novo. Na verdade, ele ficou ainda mais forte depois daquele abraço de “grandes amigos que não se veem há séculos” que você me deu (e que me trouxe, imediatamente, àquele primeiro abraço que demos na classificatória do campeonato de bridge).
Descobri que você tinha se casado e que tinha um menino, Henrique, um ano mais velho que a minha Rebeca. Aliás, obrigada por não ter me convidado para o seu casamento. No início fiquei meio chateada, é verdade, mas depois percebi que foi melhor assim, pois me vi na cerimônia, sofrendo secretamente por não ser eu ali do seu lado. O fato é que, tendo estado presente ou não, me entristecia saber que, mesmo que eu ficasse viúva, não teria mais chances de ter você para mim.
Aqueles poucos dias no congresso foram ótimos. Eu já estava mais madura e, para a minha surpresa, percebi que conseguia controlar melhor meus sentimentos por você, apesar de não totalmente. Descobri que, só para variar, você também trabalhava na mesma área que eu, o que me fez pensar que, mesmo distantes, nossos gostos continuavam em algum sentido parecidos. Quando voltei para casa, senti um misto de felicidade pelo reencontro e alívio por ele ter acabado. Agora cada um iria para o seu lado de novo. Ledo engano.
Uma semana depois, todos os funcionários da empresa foram chamados à sala de reunião principal. A nossa empresa havia comprado outra (adivinha qual?) e as equipes seriam reestruturadas para acomodar os novos colegas de trabalho. Você chegou numa terça e ocupou a mesa em frente a minha. Agora eu estava condenada a olhar para o seu rosto oito horas por dia.
Juro que pensei em pedir demissão. Mas com o tempo percebi que conseguia gerenciar a situação até que bem. O que antes era um tipo de fixação platônica se converteu em uma forte amizade. Nossos cônjuges finalmente se conheceram e os casais tornaram-se grandes amigos. Nossas famílias viajaram juntas umas três vezes (aquele acampamento em que os remos caíram na água e eu fiquei presa no barco continua a ser motivo de muita risada nas reuniões familiares). Até a mesma igreja frequentamos, o que, particularmente, me deixou bastante feliz, mas também nos fez estarmos juntos em alguns casamentos e aquela ilusão de subirmos ao altar apareceu em cada um deles.
Na empresa, participamos de diversos projetos juntos, saímos inúmeras vezes para almoçar com a equipe, enfim, essas coisas comuns de empresa. E eu me surpreendia cada vez mais ao perceber que conseguia lidar muito bem com minhas emoções em cada uma delas. Se bem que, aquela vez em que a empresa fechou uma sala de cinema para todos os funcionários em comemoração ao resultado do ano e você sentou-se ao meu lado não foi nada fácil; principalmente quando as luzes se apagaram e nossas mãos se tocaram dentro do saco de pipocas. Se houve algum momento em que senti certa reciprocidade de sua parte, foi esse.
Uns três anos se passaram até o dia em que você apareceu no trabalho todo feliz, mas visivelmente inseguro, dizendo: “Hoje a gente vai almoçar juntos, mas só nós dois. Tenho uma coisa muito importante pra te falar.”
Aquela foi a manhã mais difícil de toda a minha vida. Será que você iria se declarar para mim? Como eu reagiria? — Eu não posso ter nada com você! Eu sou casada e nunca faria nada contra isso! Eu tenho uma filha e você um filho! Sua esposa não merece isso! — Ao mesmo tempo, morria de medo que a minha negação te afastasse definitivamente de mim. Aquela proximidade que desenvolvemos, mesmo como amigos, era vital para mim e eu não queria, de jeito nenhum, colocá-la em risco.
Saímos juntos do escritório e você escolheu um restaurante perto da empresa, mas que quase ninguém de lá ia, então tive certeza de que era isso mesmo. Você iria se declarar e não queria testemunhas. Percebi sua mão tremendo enquanto eu tentava, inutilmente, controlar minhas pernas, que tremiam ainda mais.
Ao menos uma de minhas suposições estava correta: você não queria testemunhas. Você se sentou à minha frente, pegou minhas duas mãos e disse: “Vou abrir minha própria empresa!” E, então, começou a contar sobre um amigo da faculdade, do qual eu nunca tinha ouvido falar, e sobre como ele havia proposto uma sociedade. Contou que a empresa seria aberta em outra cidade e que sua esposa estava super empolgada, pois era a cidade dos pais dela, e tal.
Eu até tentei segurar as lágrimas, mas uma acabou escapando. Você a enxugou para mim enquanto eu jurava que estava super feliz por você.
E foi assim que você me deixou. Mais do que isso, me abandonou. O pior é que não pude me consolar com ninguém. Como chorar sobre isso nos ombros do meu marido? Como chorar nos ombros de qualquer pessoa a simples partida de um colega de trabalho? O único lugar em que eu podia chorar em paz era no banho, e as águas desceram salgadas pelo ralo por mais de uma semana.
Prometi a mim mesma que não deixaria a vida nos afastar. Não cumpri. Uns quatorze anos se passaram, mas bastou pouco mais de um para que você saísse de uma vez da minha memória. Talvez muito desse esquecimento forçado tenha sido alimentado pelo ódio que senti de você e, principalmente, daquele seu maldito amigo de faculdade que voltou dos mortos.
Mais uma vez eu estava feliz, e desta vez sem você. Meu casamento continuava muito bem (na verdade ele sempre esteve), a Rebeca estava na faculdade e, finalmente, eu havia sido promovida. Tudo ia às mil maravilhas até que um dia a Rebeca chegou em casa boba, com um sorriso maior do que a cara: “Mãe, estou namorando!”
Começou a contar sobre o garoto, dizendo que faziam o mesmo curso, que ele era lindo, simpático e tal. Que a família dele morava no i